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Não é fácil conseguir uma brecha na agenda de Pasqualino Magnavita para uma conversa franca sobre a arquitetura na Bahia. Mesmo com quase 90 anos de idade e aposentado desde 1965, ele continua dando aula na Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, estudando sobre os traços contemporâneos e modernistas do segmento, e ainda divide sua vida entre Salvador e a Ilha de Itaparica. Calmaria nunca fez parte da sua rotina. Ainda era estudante quando já oferecia curso de desenhos, com toda sua expertise, desbravou a Itália pós guerra assim que se formou, estudou na Europa, atuou como consultor de uma das lojas mais importantes da decoração na Bahia e foi premiado inúmeras vezes por conta dos seus projetos. A história da arquitetura na Bahia e sua trajetória, se confundem inúmeras vezes. Atual, assertivo e até polêmico, Magnavita nos mostra como segue atento a todos os movimentos que a modernidade trouxe.

 

Como se deu o encanto pelo segmento de arquitetura e engenharia? O que o fez ingressar no curso?

Primeiro tive uma atividade jovem de desenho. Eu desenhava, aprendi a fazer aquarela, então já tinha uma pré disposição, mas não me inscrevi no curso de arquitetura na época, porque o curso tinha uma orientação muito acadêmica e eu já tinha esse conhecimento por ter morado no Rio de Janeiro, já conhecia a arquitetura moderna do Brasil, estive em Minas Gerais e vi Pampulha, conheci as obras de Oscar Niemayer, estive no escritório dele, quando ele tinha 42 anos e eu 20, ganhei uma fotografia de uma obra dele, então eu já tinha todo aquele sentimento de arquitetura moderna, então preferi fazer o curso de Engenharia Civil. E pensei que de qualquer maneira eu iria aprender as técnicas e depois viajaria para aumentar o aprendizado. E aconteceu justamente isso. Me formei em 1951 e viajei para a Itália, pois mesmo sendo estudante eu já oferecia um curso de desenho e tinha vários alunos, o que me capitalizou de alguma forma. Lá me inscrevi na faculdade de arquitetura e fiquei no país durante cinco anos, em um período que a Itália se reconstruiu, pós guerra, com grande efervescência cultural. Voltei em 1958 para Salvador, fiz umas palestras na Escola de Belas Artes e na estreia estava bem preocupado, pois na plateia estava Lina Bo Bardi e Diógenes Rebouças, pioneiro da arquitetura na Bahia, com isso fiquei conceituado e comecei a dar aulas, algo que faço até hoje, pois mesmo aposentado, continuei.

“Fiz umas palestras na Escola de Belas Artes e na estreia estava bem preocupado, pois na plateia estava Lina Bo Bardi e Diógenes Rebouças”

Como foi a história do trabalho na loja Ralf, que marcou a decoração na Bahia, nos anos 50 e 60?

Nesse período em que comecei a ensinar, fui convidado pela loja Ralf, para fazer um trabalho de consultoria, com os projetos da loja, em 1959. Era a melhor loja da Bahia, com os móveis mais modernos, René Pedro, um dos donos, era muito visionário, e tinha uma clientela muito boa. Então como já tinha a prática de desenhista e pintor, e comecei a adquirir essa experiência com arquitetura de interiores, atendendo clientes residenciais, hotéis, restaurantes e instalações maiores. Eram grandes projetos, e as vezes eu criava um biombo, uma divisória, algo mais criativo e sugestivo, e por isso me tornei uma referência nesse segmento. Tive nessa época, em 1966, o Restaurante Don Pasquale, na Avenida Joana Angélica, onde para projetar comprei muitos móveis antigos, portas e janelas antigas. E fez muito sucesso – era uma época em que Salvador não tinha muitos restaurantes. Muita gente ia lá só para admirar o espaço, a decoração, e muitas vezes nem consumia a gastronomia. Recebemos grandes artistas como Elis Regina, Simonal, Chico Anysio, dentre outros. Nessa época também vale lembrar que cheguei a fazer um mural no antigo Cinema Tupi, encomendado por Correia Ribeiro, que depois foi destruído, quando reformaram o espaço e também concorri para produzir o painel da ABI – Associação Baiana de Imprensa, e fiquei em segundo lugar, quem ganhou em primeiro foi Mario Cravo.

Chegou a fazer projetos para o Palácio de Ondina?

Depois do sucesso do restaurante Don Pasquale, fui convidado para fazer a arquitetura de interiores do Palácio de Ondina, onde morava o governador da época, Lomanto Júnior. Nesse projeto, utilizei uma mistura de móveis antigos autênticos, que davam caráter da história do design no Brasil, e objetos modernos, a exemplo de poltronas e cadeiras assinadas por Sergio Rodrigues, em couro mole, dentre outras referências da época. Usei cortinas em linho branco, sem aquelas franjas em cima, também criei biombos.

Conte um pouco sobre a história da linha de móveis Axé Design e sobre o prêmio que a Cadeira Oxóssi ganhou? 

Em 1997, me convidaram para participar como jurado do Primeiro Prêmio Liceu Design. Na época um participante fez uma proposta de Luminária de Oxalá, que foi premiado. No segundo, resolvi concorrer, e como já havia essa ligação das criações com a cultura da Bahia, tive o estalo de criar a Cadeira de Oxóssi. Fiz o desenho, com dificuldade até para produzir, e recebi a indicação de um artesão na Suburbana, que me ajudou. Foi um desafio. Apresentei e ganhei. Logo depois fui para a Feira Internacional do Móvel em Milão, e a cadeira chamou muita atenção por lá também, mesmo não dando retorno comercial. Uma das peças foi dada de presente para Mãe Stella de Oxóssi, que ela tem em casa até hoje. Fiz também a mesa de Oxalá e a mesa de Oxum Maré, Oxum e Yemanjá e o banco de Oxóssi.

“Uma das Cadeiras de Oxóssi foi dada de presente a Mãe Stella, e ela tem até hoje em sua casa”

O que acha do atual cenário urbanístico de Salvador?

Não existe saber fora do poder. Você pode ter saberes diferentes e poderes diferentes. Salvador não tem sido muito feliz, pois não é uma cidade que dá abertura a projetos interessantes. Agora o arquiteto Lelé, por exemplo, foi o grande autor das obras mais significativas da arquitetura baiana moderna, ele recuperou o projeto do Centro Administrativo da Bahia, e conseguiu dá um sentido de unidade ao espaço, ele também criou as passarelas da cidade. Antes dele teve o Diógenes Rebouças, na década de 50, que foi o autor do projeto da primeira Fonte Nova, dentre outras coisas. São duas figuras importantes da nossa história.

O que acha das atuais obras de revitalização que estão sendo feitas em Salvador?

Especificamente na Barra me dá uma angústia pois tudo ficou muito árido. Aquele espaço merecia um trabalho de paisagismo muito mais interessante. Mas são projetos que não são discutidos, não são apresentados, só vai de acordo com os interesses políticos e de mídia. Então nunca se sabe da qualidade dessas obras, e o ponto de vista dos moradores, é que foi uma violência para o bairro.

“A Barra me dá uma angústia pois tudo ficou muito árido. Aquele espaço merecia um trabalho de paisagismo muito mais interessante”

Porque escolheu morar na Ilha de Itaparica?

Meus pais, quando eu era menino, alugaram uma casa na Ilha de Itaparica, porque era um espaço de águas minerais, e minha mãe dizia que isso fazia muito bem a saúde. A elite baiana da época tinha a tradição das águas termais, era como se ir a esses lugares, oferecesse caráter de riqueza, para exibir. Depois de um tempo, essa casa foi comprada, e sempre veraneamos lá. Eu devia ter 10 anos de idade. E era um lugar interessante para passar um final de semana. Em 1968, aproveitei uma ruína e fiz minha casa, depois me animei e projetei o Mirante do Solar, que é uma associação cultural, que passou a ser uma atração turística em Itaparica, com música, arte e cinema. Então ofereci a cidade isso e sou muito feliz com essa realização.

“Ofereci a Ilha de Itaparica uma associação cultural e sou muito feliz com essa realização”

Sobre Pasqualino Magnavita

Nascido em Itapebi (Bahia), em 1929, graduou-se em Engenharia Civil em 1951, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), morou na Itália durante cinco anos, até 1958, retornando a Salvador é convidado para lecionar na Faculdade de Arquitetura da UFBA. Em 1964 retorna a Itália para se tornar Doutor em Arquitetura, se aposentou em 1965, e mesmo assim continua lecionando na Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Foi presidente do Instituto de Arquitetos da Bahia, em 1968/1969 e 1979/1980, Presidente do Sindicato de Arquitetos da Bahia em 1973/1976 e Membro Suplente do Comitê da União Internacional de Arquitetos entre 1969/1976, além de ter sido Reitor de Extensão da UFBA entre 1991/1993.

 

Escrito por Tamyr Mota